Inteligência Sistêmica

Luto na Família: Psicoeducação para um processo de luto mais leve e saudável

O luto é uma experiência complexa que envolve muitas dimensões que acompanham as pessoas que passam por esta experiência. Algumas sensações são físicas, de vazio no estômago, aperto no peito e na garganta, hipersensibilidade a ruídos, fraqueza muscular e falta de energia; outras são psicoemocionais, como sentimentos de tristeza profunda, raiva, frustração, desamparo, culpa e auto censura, solidão; assim como encontramos as dimensões que envolvem espiritualidade e a sociedade. Não obstante, o luto é profundamente singular e individual, mas impacta não apenas o indivíduo, como toda a dinâmica familiar.

A psicoeducação emerge como uma ferramenta essencial para auxiliar famílias a navegarem por esse período de dor e adaptação de maneira mais leve e não adoecedora, assim como uma prevenção ao luto prolongado de algum membro da família. 

O luto familiar é um processo em que a família reage emocionalmente à perda significativa de um ente querido. Essa experiência pode abalar os alicerces emocionais e estruturais de toda uma família, afetando cada membro de maneira única e o sistema familiar como um todo. A perda de um membro da família pode desestruturar as funções e responsabilidades previamente estabelecidas, exigindo uma reorganização das tarefas e dos papéis de cada um dos indivíduos do sistema familiar. Por exemplo, a perda de um pai pode forçar os filhos a assumirem responsabilidades adicionais, ou a morte de um parceiro pode requerer que o cônjuge sobrevivente assuma novos papéis dentro da família.

Entender o luto como um processo natural e necessário é o primeiro passo para mitigar seus impactos negativos. A dinâmica familiar durante o luto pode se tornar mais tensa e conflituosa, à medida que os membros tentam se ajustar à nova realidade. Estratégias para lidar com o luto, como a comunicação aberta, a expressão emocional saudável e o apoio mútuo, são essenciais para viver essas mudanças. A psicoeducação ao luto fornece às famílias ferramentas e conhecimentos para entender e enfrentar essas mudanças, promovendo um ambiente de suporte e cooperação.

O processo de luto no contexto familiar e o valor que as famílias atribuem às emoções, além de como elas facilitam ou dificultam a expressão das emoções, são questões que devem ser avaliadas pela terapeuta do luto. É importante considerar essa área de influência do sistema familiar e das redes sociais na experiência de luto do indivíduo. Avaliar o contexto familiar e social implica entender as dinâmicas familiares, a qualidade dos relacionamentos, os padrões de comunicação e a disponibilidade de suporte social. A forma como a família e a rede social respondem à perda pode afetar significativamente o processo de luto de cada membro do sistema familiar. 

Altarzinho que fizemos em homenagem ao Marlon, o pai dos meus trigêmeos, que faleceu em um acidente.

Ademais, o apoio psicológico para famílias oferece o conhecimento sobre todo esse contexto que envolve o caminho do luto, promovendo um ambiente em que os membros possam expressar suas emoções e seus sentimentos livremente e sem julgamentos. Esse conhecimento ajuda a desmistificar mitos e expectativas irreais sobre como o luto “deveria” ser, como o luto do outro “deveria” ser, de modo a permitir que cada pessoa viva seu processo de maneira respeitosa e acolhedora. 

Um alerta que sempre me coloco a fazer é sobre as crianças enlutadas. Quando acontece a perda de um ente querido no seio familiar, muitas vezes os pais ou cuidadores estão intensamente envolvidos pela dor e pelo sofrimento, o que pode comprometer as principais necessidades das crianças enlutadas. Gostaria de sinalizar a importância da criança ser incluída na vivência do luto individual e familiar, e de receber um apoio adequado para que futuramente, na fase adulta, isso não se torne um problema para a saúde mental dela. 

Meu filho Henrico em atividade escolar para escrever seu próprio livro descrevendo uma situação de luto que viveu.

As crianças precisam de informações adequadas à sua idade sobre a morte e os eventos que a cercam. Elas devem ser informadas de maneira clara e honesta para evitar confusão e fantasias que podem ser mais assustadoras do que a realidade. É muito importante que as crianças saibam que não foram elas as causadoras da morte. Também necessitam de oportunidades para expressar seus sentimentos de luto, como tristeza, raiva, medo e culpa, em um ambiente seguro e acolhedor. É importante que elas se sintam livres para chorar, falar sobre a pessoa falecida e compartilhar suas memórias sem julgamento. Os adultos devem ser compassivos e disponíveis para elas, fornecendo suporte emocional e respondendo às suas dúvidas e apreensões. Esses adultos podem ser pais, professores, conselheiros ou outros cuidadores confiáveis.  As crianças precisam entender que o luto é um processo contínuo e normal, e que não há um “jeito certo” ou um “tempo certo” para sentir ou expressar tristeza. Elas devem ser asseguradas de que é normal ter sentimentos que vêm e vão e que podem mudar ao longo do tempo.

Ilustração do meu Filho Henrico em memória do pai falecido.

Manter viva a memória da pessoa falecida é importante para as crianças. Elas precisam de oportunidades para lembrar e celebrar a vida do ente querido através de conversas, rituais, fotografias e outras atividades comemorativas. Profissionais que trabalham com crianças enlutadas devem estar atentos a essas necessidades e desenvolver intervenções específicas para cada uma delas, promovendo um ambiente de apoio que facilite o processo de luto de maneira saudável e construtiva.

Meu filho Pietro em atividade escolar para escrever seu próprio livro descrevendo uma situação de luto que viveu.

O luto é uma experiência complexa e única para cada indivíduo, e quando ocorre no contexto familiar, apresenta desafios adicionais. Para lidar de forma construtiva com o luto familiar, é importante adotar estratégias que promovam a saúde emocional de todos os membros da família. As abordagens terapêuticas e práticas de apoio psicológico podem ajudar muito nesse processo. 

Ilustração do meu filho Pietro em homenagem à nossa cachorrinha Lila, que esteve comigo desde a époda em que a minha filha Vitória ainda estava presente entre nós.

Incentivar os membros da família a expressarem seus sentimentos e pensamentos abertamente pode aliviar o peso emocional do luto. Isso, acrescido a sessões familiares guiadas por um terapeuta especializado em luto, pode facilitar a comunicação entre os indivíduos do sistema familiar.

Meu filho Matteo em atividade escolar para escrever seu próprio livro descrevendo uma situação de luto que viveu.

Promover o apoio mútuo entre os membros da família é essencial. Grupos de suporte familiar em que todos podem compartilhar suas experiências são também uma boa prática. De acordo com o que é possível naquele sistema familiar, uma estratégia para lidar com o luto seria a de criar rituais ou memoriais que podem ajudar a honrar a memória do ente querido falecido. Isso pode incluir cerimônias, álbuns de fotos, além de cartas para a pessoa falecida.

Ilustração do meu filho Matteo em atividade escolar para escrever seu próprio livro descrevendo uma situação de luto que viveu.

Assim, a terapia do luto ministrada por uma profissional especialista nesta área pode ser fundamental. A psicoeducação ao luto é um componente crucial no processo de elaboração do luto familiar. Compreender as dinâmicas do luto e adotar estratégias saudáveis pode ajudar as famílias a passar por esse período desafiador de maneira construtiva. 

Eu mesma estudando mais a fundo a terapia para pessoas enlutadas.

Deste modo, eu encorajo fortemente a busca por apoio profissional e comunitário, pois compartilhar a dor e receber orientação pode transformar profundamente a experiência do luto, promovendo aos sobreviventes o bem-estar de todos os envolvidos. E mais: impulsionando o sistema familiar enlutado a encontrar um novo norte sem a presença física de seu ente querido, em honra e amor àquele que faleceu.

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